segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

FELICIDADE


Todos a procuram e, quando a encontram, parece que a tratam como se clandestina fosse; parece que não a retêm, que é difícil conviver com ela. Estranho paradoxo!
Mas, afinal, o que é realmente a felicidade? Aquela que sempre uns desejam aos outros em datas comemorativas como aniversários, festas de fim de ano ou em situação novas buscas, conquistas...
Para mim, a felicidade está nas coisas simples e ao alcance de todos. Ela está no bate-papo amoroso com as pessoas queridas, no curtir um bonito dia de sol ou uma tarde chuvosa para um bom café com ou sem bolinho de chuva, numa leitura, num tricô ou em assistir a um filme do nosso agrado. Essas são opções deliciosas para mim, mas cada um tem as suas, é claro!
É só escolher, há tantas coisas simples ao alcance de todos! Basta aquietar o coração e se deixar envolver por aquilo que lhe traga bem-estar.
Logo logo, com certeza, você já estará sentindo uma pontinha da felicidade, mas, para que ela vá se expandindo e tomando conta de seu coração, um detalhe não pode ser esquecido: a felicidade tem de ser cultivada, regada a cada dia para que cresça e preencha nossa vida. Ela não está pronta na prateleira do nosso armário, do supermercado ou do Shopping Center próximo ou distante.
         Para mim, não existe explicação de felicidade mais simples e clara que a de Machado de Assis, no trecho que a seguir transcrevo.

    Cansado e aborrecido, entendi que não podia achar a felicidade em parte nenhuma; fui além: acreditei que ela não existia na terra, e preparei-me desde ontem para o grande mergulho na eternidade. Hoje, almocei, fumei um charuto e debrucei-me à janela. No fim de dez minutos, vi passar um homem bem trajado, fitando a miúdo os pés. Conhecia-o de vista; era uma vítima de grandes reveses, mas ia risonho, e contemplava os pés, digo mal, os sapatos. Estes eram novos, de verniz, muito bem talhados, e provavelmente cosidos a primor. Ele levantava os olhos para as janelas, para as pessoas, mas tornava-os aos sapatos, como por uma lei de atração, anterior e superior à vontade. Ia alegre; via-se-lhe no rosto a expressão da bem-aventurança. Evidentemente era feliz; e talvez, não tivesse almoçado; talvez mesmo não levasse um vintém no bolso. Mas ia feliz, e contemplava as botas.
    A felicidade será um par de botas? Esse homem, tão esbofeteado pela vida, achou finalmente um riso da fortuna. Nada vale nada. Nenhuma preocupação deste século, nenhum problema social ou moral, nem as alegrias da geração que começa, nem as tristezas da que termina, miséria ou guerra de classes, crises da arte e da política, nada vale, para ele, um par de botas. Ele fita-as, ele respira-as, ele reluz com elas, ele calca com elas um chão de um globo que lhe pertence. Daí o orgulho das atitudes, a rigidez dos passos, e um certo ar de tranquilidade olímpica...
    Sim, a felicidade é um par de botas.


                                                        Machado de Assis. Histórias sem Data.
                                                       Obras completas de Machado de Assis.
                                                       São Paulo: Mérito, 1962. v.13, p. 56-57.


Só me resta calar! Que mais poderia eu acrescentar?!

                                                     Amorosamente, Aliris
                                                          19.01.2014