FELICIDADE
Todos a procuram e, quando a encontram, parece que a
tratam como se clandestina fosse; parece que não a retêm, que é difícil conviver
com ela. Estranho paradoxo!
Mas, afinal, o que é realmente a felicidade? Aquela
que sempre uns desejam aos outros em datas comemorativas como aniversários,
festas de fim de ano ou em situação novas buscas, conquistas...
Para mim, a felicidade está nas coisas simples e ao
alcance de todos. Ela está no bate-papo amoroso com as pessoas queridas, no
curtir um bonito dia de sol ou uma tarde chuvosa para um bom café com ou sem
bolinho de chuva, numa leitura, num tricô ou em assistir a um filme do nosso
agrado. Essas são opções deliciosas para mim, mas cada um tem as suas, é claro!
É só escolher, há tantas coisas simples ao alcance de
todos! Basta aquietar o coração e se deixar envolver por aquilo que lhe traga
bem-estar.
Logo
logo, com certeza, você já estará sentindo uma pontinha da felicidade, mas,
para que ela vá se expandindo e tomando conta de seu coração, um detalhe não
pode ser esquecido: a felicidade tem de ser cultivada, regada a cada dia para
que cresça e preencha nossa vida. Ela não está pronta na prateleira do nosso
armário, do supermercado ou do Shopping
Center próximo ou distante.
Para mim, não existe explicação de
felicidade mais simples e clara que a de Machado de Assis, no trecho que a
seguir transcrevo.
Cansado e aborrecido, entendi que não podia
achar a felicidade em parte nenhuma; fui além: acreditei que ela não existia na
terra, e preparei-me desde ontem para o grande mergulho na eternidade. Hoje,
almocei, fumei um charuto e debrucei-me à janela. No fim de dez minutos, vi
passar um homem bem trajado, fitando a miúdo os pés. Conhecia-o de vista; era
uma vítima de grandes reveses, mas ia risonho, e contemplava os pés, digo mal,
os sapatos. Estes eram novos, de verniz, muito bem talhados, e provavelmente
cosidos a primor. Ele levantava os olhos para as janelas, para as pessoas, mas
tornava-os aos sapatos, como por uma lei de atração, anterior e superior à
vontade. Ia alegre; via-se-lhe no rosto a expressão da bem-aventurança.
Evidentemente era feliz; e talvez, não tivesse almoçado; talvez mesmo não
levasse um vintém no bolso. Mas ia feliz, e contemplava as botas.
A felicidade será um par de botas? Esse
homem, tão esbofeteado pela vida, achou finalmente um riso da fortuna. Nada
vale nada. Nenhuma preocupação deste século, nenhum problema social ou moral,
nem as alegrias da geração que começa, nem as tristezas da que termina, miséria
ou guerra de classes, crises da arte e da política, nada vale, para ele, um par
de botas. Ele fita-as, ele respira-as, ele reluz com elas, ele calca com elas
um chão de um globo que lhe pertence. Daí o orgulho das atitudes, a rigidez dos
passos, e um certo ar de tranquilidade olímpica...
Machado de Assis. Histórias sem Data.
Obras completas de Machado de Assis.
São Paulo: Mérito, 1962. v.13, p. 56-57.
Só me resta calar! Que mais poderia
eu acrescentar?!
Amorosamente, Aliris
19.01.2014