sábado, 5 de setembro de 2015

Hoje tem perada?
Tem sim senhor!
Oito horas da noite?
Não senhor!!!


         É perada, não é marmelada! E começava a ser preparada lá pelas sete horas da manhã.
         Falo aqui da perada que minha mãe fazia em todos os verões da minha primeira infância. Como no nosso pátio havia uma grande pereira plantada pelo meu avô materno, ela e toda a família se dedicavam um dia inteirinho àquela perada de sabor inesquecível.
         Já na véspera começavam os preparativos: as peras eram colhidas, o grande tacho de cobre higienizado, a pá de madeira lavada, as lenhas já dispostas embaixo da pereira para o fogo de chão onde o tacho era colocado. Uma verdadeira festa!
         Passava-se o dia todo naquele labor em que a união da família em torno do doce que estava sendo preparado, não dava lugar ao cansaço da tarefa. Já à tardinha, a perada pronta e ainda quente era colocada em caixetas de madeira forradas com papel celofane e fechadas com a tampa de correr.
         Como a quantidade preparada era grande, comíamos durante o ano todo, mas o mais gostoso mesmo era saboreá-la no inverno, quando a perada, na parte de cima, tinha uma leve camada açucarada que, de tão doce, deixou doce lembrança!
         Mas como a vida tem de seguir seu curso, nos mudamos dessa casa para a nossa casa nova, bonita, recém-construída, mas longe da pereira. Naquele momento, ninguém se preocupou com isso, mas, quando o tempo passa e nossa memória afetiva traz de volta emoções significativas, lá me vem a perada!
         Para mim, o dia da perada foi e é altamente significativo porque aquela tarefa doméstica revestida de tanta simplicidade tem sentido profundo e expressiva beleza que posso concluir com o que escreveu, em versos, Carlos Drummond de Andrade: “E eu não sabia que a minha história / era mais bonita que a de Robinson Crusoé.”


         Amorosamente, para minha amiga Clarice que, anos mais tarde, saboreou muitas peras dessa mesma pereira e ainda hoje, como eu, lembra com saudade.

Aliris

05.09.2015