BOLINHO DE ARROZ
Há coisas que não cabem em palavras –
aquele cheiro, aquele toque, aquele gosto, aquele olhar, aquele som – vivem
apenas na nossa memória que, muitas e muitas vezes, nos permite viajar por
lembranças que só a nós pertencem.
Nesta semana, comi bolinhos de arroz
(impossível comer um só) e me perdi em doces recordações provocadas por aquele
sabor da infância.
Embora meu companheiro de almoço – o
mesmo de há quase 50 anos – não percebesse, entremeei ao nosso bate-papo uma
viagem ao passado e me vi sentada à mesa com meus pais, minhas irmãs e minha
avó materna saboreando os mesmos bolinhos, minha iguaria preferida de criança.
A partir daí afloraram emoções e mais
emoções: inicialmente me vi na copa e dali saí em visita àquela imensa casa de
cômodos grandes e teto altíssimo que muitas vezes me amedrontou pelo contraste com
a minha pequenez infantil. Nesse andar, me detive num ou noutro lugar e revivi
afetos, medos, fatos curiosos, amorosos ou nem tanto... enfim, viajei na
singularidade da minha memória, aquela companheira que, em essência, é apenas
nossa.
Lembrei, com carinho, o aperto em que
coloquei meu pai – que nunca disse um não para nós, as filhas –, pois pedia
insistentemente que ele plantasse, no nosso pátio, uma árvore de bolinho. Ele
adiava, adiava: ora estava esperando a nova estação, ora não tinha encontrado a
muda, ora faltava o adubo.
Enquanto isso, o tempo passava e, vez
por outra, a família comia bolinho de arroz no almoço ou no jantar e eu ia
crescendo, crescendo, e entendi, por mim própria, que bolinho de arroz não dá
em árvore. Compreensão que – não sei exatamente como – veio aos poucos, sem que
meu pai abalasse a minha fantasia de correr pelo pátio e colher um dourado
bolinho de arroz sem precisar interromper a brincadeira.
Das lembranças passei às reflexões e
vi, na atitude de meu pai, a grande lição de Cervantes, em Dom Quixote de La
Mancha: nunca destrua o sonho de ninguém, mesmo que lhe pareça pequeno ou até
insignificante, ridículo ou surreal. O sonho do outro não lhe pertence!
Lembrei, também, Fernando Pessoa que
escreveu mais ou menos o seguinte: “Pode ser que o mundo se faça com o que
sonhamos, mas ele nunca será feito com o que esquecemos de sonhar.”
(Decidi comer bolinhos de arroz mais seguidamente!)
Amorosamente, Aliris
16.01.2016