domingo, 17 de janeiro de 2016


BOLINHO DE ARROZ



         Há coisas que não cabem em palavras – aquele cheiro, aquele toque, aquele gosto, aquele olhar, aquele som – vivem apenas na nossa memória que, muitas e muitas vezes, nos permite viajar por lembranças que só a nós pertencem.
         Nesta semana, comi bolinhos de arroz (impossível comer um só) e me perdi em doces recordações provocadas por aquele sabor da infância.
         Embora meu companheiro de almoço – o mesmo de há quase 50 anos – não percebesse, entremeei ao nosso bate-papo uma viagem ao passado e me vi sentada à mesa com meus pais, minhas irmãs e minha avó materna saboreando os mesmos bolinhos, minha iguaria preferida de criança.
         A partir daí afloraram emoções e mais emoções: inicialmente me vi na copa e dali saí em visita àquela imensa casa de cômodos grandes e teto altíssimo que muitas vezes me amedrontou pelo contraste com a minha pequenez infantil. Nesse andar, me detive num ou noutro lugar e revivi afetos, medos, fatos curiosos, amorosos ou nem tanto... enfim, viajei na singularidade da minha memória, aquela companheira que, em essência, é apenas nossa.
         Lembrei, com carinho, o aperto em que coloquei meu pai – que nunca disse um não para nós, as filhas –, pois pedia insistentemente que ele plantasse, no nosso pátio, uma árvore de bolinho. Ele adiava, adiava: ora estava esperando a nova estação, ora não tinha encontrado a muda, ora faltava o adubo.
         Enquanto isso, o tempo passava e, vez por outra, a família comia bolinho de arroz no almoço ou no jantar e eu ia crescendo, crescendo, e entendi, por mim própria, que bolinho de arroz não dá em árvore. Compreensão que – não sei exatamente como – veio aos poucos, sem que meu pai abalasse a minha fantasia de correr pelo pátio e colher um dourado bolinho de arroz sem precisar interromper a brincadeira.
         Das lembranças passei às reflexões e vi, na atitude de meu pai, a grande lição de Cervantes, em Dom Quixote de La Mancha: nunca destrua o sonho de ninguém, mesmo que lhe pareça pequeno ou até insignificante, ridículo ou surreal. O sonho do outro não lhe pertence!
         Lembrei, também, Fernando Pessoa que escreveu mais ou menos o seguinte: “Pode ser que o mundo se faça com o que sonhamos, mas ele nunca será feito com o que esquecemos de sonhar.”
        
(Decidi comer bolinhos de arroz mais seguidamente!)

Amorosamente, Aliris

16.01.2016