sexta-feira, 30 de outubro de 2020

 

BREVE PENSAR

 


Como Louise Glück foi agraciada com o Nobel de Literatura 2020, dediquei uma tarde chuvosa à leitura de seus poemas. Que tarde linda! Degustei poesias de grande sensibilidade e beleza, andei por caminhos inimagináveis até que me deparei com o poema A íris selvagem. Embora o estivesse lendo pela vez, ele me pareceu familiar. Reli uma, duas vezes...e fui em busca de uma referência àquele familiaridade.

Sem muita demora, estabeleci o elo entre o poema e as últimas páginas do romance As ondas, de Virginia Woolf que lera há pouco, onde a personagem Bernard, após seu voluntário “mergulho na eternidade”, usando palavras de Machado de Assis, expressa sensações semelhantes e, também, sempre entremeadas de referências à natureza, ao iniciar essa jornada.

Foi apenas uma descoberta ao acaso já que não sou crítica literária, sou apenas uma leitora que aguça sentimentos, sensibilidade, atenção para que possa desfrutar, o quanto possível, uma obra literária.

 

Aliris, outubro 2020

 

 

P.S. Transcrevo a seguir o poema citado, mas não as últimas páginas de As ondas pela extensão. Se alguém tiver interesse, entrar em contato comigo pelo e-mail alirisporto@gmail.com .

 

No final do meu sofrimento
havia uma saída.

Me ouça bem: aquilo que você chama de morte
eu me recordo.

Mais acima, ruídos, ramos de um pinheiro se movendo.
Então, nada. O sol fraco
cintilando sobre a superfície seca.

É terrível sobreviver
como consciência,
enterrada na terra escura.

Então tudo acabou: aquilo que você teme,
se tornando
uma alma e incapaz
de falar, encerrando abruptamente, a terra dura
se inclinando um pouco. E o que pensei serem
pássaros lançando-se em arbustos baixos.

Você que não se lembra
da passagem de outro mundo
eu te digo poderia repetir: aquilo que
retorna do esquecimento retorna
para encontrar uma voz:

do centro de minha vida veio
uma vasta fonte, azul profundo.

 

RESENHA






As Ondas, da autoria da inglesa Virginia Woolf, com tradução para o português de Lya Luft, Editora Nova Fronteira, Coleção Grandes Romances, hoje com edição esgotada, disponível somente em sebos, é um clássico para ser lido, relido, pensado, repensado.

Eu o li no início da quarentena e – confesso – como todo clássico precisa ser primeiramente entendido para que se possa abstrair todo o sentido e, assim, chegar à sua essência.

Esse romance nos apresenta seis personagens da infância à maturidade além do silencioso Percival, ao redor de quem gira a vida dos outros, que morreu cedo, mas continuou no meio dos demais. O tema central são as experiências, as identidades e a passagem do tempo sob a ótica da essência espiritual da vida e não de seus aspectos materiais. Não é uma história com começo, meio e fim. Os seis personagens estão imersos em seus monólogos, que a autora chama de “solilóquios dramáticos”, e o mundo é vivido por eles como o lugar da impossibilidade de ser aquilo que gostariam de ter sido.

As sete sessões do livro fazem uma analogia entre as fases do dia, do amanhecer ao anoitecer, e as vozes das personagens da infância à maturidade. Numa prosa – quase poesia – acabamos conhecendo as seis personagens: seus anseios, angústias, amores, decepções.

Embora o romance tenha muito de autobiográfico, Virginia Woolf se afastou, o quanto pôde do pessoal para expressar o coletivo e afirmou que escreveu As Ondas “tendo em vista o ritmo e não o enredo”.

Nas palavras de Marguerite Yourcenar, sua tradutora para o francês, a obra “tanto quanto uma meditação sobre a vida apresenta-se como um ensaio sobre o isolamento humano”.

 

Aliris, outubro de 2020