quinta-feira, 25 de julho de 2013


UMA ESTRANHA SENSAÇÃO DE PAZ



Nunca Porto Alegre me pareceu tão sombria e despida de seus encantos. Naquela tarde do início da primavera de 1994, lá cheguei para cumprir um dever de família e acompanhar meu sobrinho Eninho à sua última morada. Assim pensei!         
Os primeiros momentos foram muito difíceis, via no semblante de cada membro da família a tristeza e a incompreensão que aquele fato absurdo e inesperado trouxe a cada um; no dos amigos, a perplexidade diante do acontecido, só se explicando como aquelas coisas inexplicáveis que a vida às vezes nos impõe.
Naquele ambiente, tudo era tristeza, cada um sofria a seu modo aquela perda irreparável, pois Eninho representava a esperança e a alegria. Era, aos 16 anos, uma promessa que a todos estimulava com o seu sorriso franco e seu jeito ainda moleque de ser.
Mas as horas foram passando e a minha permanência naquela capela foi, aos poucos, fazendo-me sentir, em meio à minha dor e a de cada um, que ali pairava uma paz nunca vista nessas ocasiões. E eu fui tomada de uma tranquilidade tão profunda que me detive para refletir sobre o que estava sentindo. Concluí, então, que aquela paz, com certeza, era fruto do próprio modo de ser de Eninho que transcendeu as fronteiras da morte e conseguiu, mesmo no silêncio mais profundo, contagiar a todos que o rodeavam com a serenidade que caracterizou sua breve, mas marcante existência e transmitir a harmonia da nova vida que para ele se iniciava.
Dentro de minhas limitações, assim soube explicar a mim mesma, naquela ocasião, sensação tão marcante e incomum que senti.
Os anos passaram e vi que me equivoquei ao pensar que, naquele dia, tinha acompanhado meu sobrinho à sua última morada. Já há algum tempo, as cinzas de Eninho estão na casa de seus pais e toda a família convive carinhosa e naturalmente com a singela urna que está numa das salas daquela grande casa.
Quando chego lá, logo vou “conversar” com ele e sempre sou tomada pela mesma sensação de paz que descrevi. Talvez, hoje, entenda um pouquinho mais sobre esse sentimento que me invadiu, continua a me invadir e me fascina cada vez mais. Mas, como tenho dito, não estou mais muito preocupada em entender o que nem sempre é de fácil entendimento. Prefiro apenas curtir esses doces momentos, sabendo que Eninho, de alguma forma, está ali e compartilha comigo sua paz, sua serenidade, sua energia inconfundível.
Esta é minha homenagem a ele no dia que marca 35 anos de seu nascimento.
                                                                Amorosamente,   Aliris
                                                                           25.07.2013


segunda-feira, 15 de julho de 2013

CAVACOS DO OFÍCIO



Hoje, debruço, numa das janelas da minh’alma, um pouco do meu eu profissional. Como professora de Língua Portuguesa, além  de exercer o magistério por 36 anos, fui também revisora  – tarefa extremamente difícil que, às vezes, nos surpreende desagradavelmente.
Sobre isso, um desabafo escrito em março de 2004, que continuo endossando ipsis litteris.
Ao concluir a revisão de um texto, após muitas leituras e análises, temos a convicção de que tudo está, de fato, correto. Quando o texto sai publicado, no entanto, vêm as surpresas. Às vezes, as mais desagradáveis possíveis.
Monteiro Lobato expressou essa situação com o comentário a seguir transcrito. "A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se invisíveis. Mas assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência não conseguiu decifrar..."
Há algum tempo, está sendo veiculada pela internet, sem referência a autor nem a fonte precisa, a informação seguinte. “De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. Vdaerde!”
         O tempo passa, as explicações se modificam, mas  o problema persiste!
É certo que, hoje, a informática auxilia a tarefa de revisão, quer com relação à troca de letras, falta de espaço entre as palavras, repetições ou, quase sempre, incorreções ortográficas A revisão final de um texto, entretanto, continua e, certamente continuará até onde consigo vislumbrar, a ser uma tarefa humana que exige, além de amplo conhecimento da língua, extremo cuidado, alto grau de concentração e muitas horas de trabalho.
No livro As Mentiras que os Homens Contam, Luis Fernando Verissimo, como sempre, nos diverte ao escrever na crônica Sebo, sobre o desespero de um escritor iniciante que descobre um cacófato no seu único livro publicado. O desespero era tanto que ele foi ao “fim do mundo” para recolher todos os poucos exemplares vendidos.
É hilaria a descrição do último exemplar encontrado, fora adquirido num sebo, por um colecionador  de livros que – por educação – disse ter lido não uma, mas duas vezes para ser ainda mais gentil. Como todos que possuíam o livro, entretanto, foi morto porque ninguém que tivesse lido poderia continuar vivo: “Ele não podia suportar a ideia de descobrirem seu cacófato”.
Que isso lhe sirva de consolo quando perceber tardiamente um erro, às vezes bobo, que não poderia ter passado despercebido. Como não há mais nada a fazer para solucionar o problema, faça, então, apenas um ar de desapercebido e continue sendo feliz! Sou bem mais discreta que “aquela ministra”!


 Com compreensão a mim própria e a todos os revisores
                                             08.07.2013