sábado, 16 de março de 2013

DAS HELENAS À DILMA

Esta, presidente de todos os brasileiros; aquelas, degraus
anônimos que abriram caminhos.

No nosso país existe, até hoje, uma grande lacuna – o desconhecimento da participação da mulher na formação da sociedade brasileira – o que torna destorcida a História do Brasil. Esse lamentável fato impede que homens e mulheres tenham referências concretas e possam ver não só as mulheres públicas, mas também as bem próximas na plenitude de seus valores.
Nós, brasileiros, vivemos hoje um fato novo na História do país: uma mulher é Presidente da República. Sem considerar ideologias políticas, Dilma Rousseff exerce as funções do cargo com empenho e distinção, e muito bem representa as mulheres brasileiras. Ela se alinha a outras poucas mulheres que também são presidentes de importantes nações ou ocupam cargos de relevância em seus países.
Essas figuras emblemáticas, além de suas atuações, estão aí para nos mostrar que o curso da História está mudando: a todas essas mulheres mundo afora, nossa homenagem, respeito, solidariedade, apreço.
Há, entretanto, algumas perguntas que não podem calar: Como elas chegaram lá? Foram elas desbravadoras solitárias? Não, elas tiveram antecessoras que “quebraram a cara”, renunciaram, muitas vezes, a seus interesses pessoais ou ao conforto de suas vidas pacatas e bem-vistas para afastar as primeiras pedras do caminho.
Detendo-nos apenas no Brasil, lembramos grandes mulheres que nesta ou naquela esfera foram pioneiras. Berta Lutz, que se imortalizou como defensora do voto feminino; Auri Moura Costa, cearense, primeira juíza e desembargadora no Brasil; Bibi Ferreira, artista, que estreou em 1941; Carmen da Silva, socióloga, escritora e feminista militante, ameaçada de uma surra por um grupo de homens, em Goiânia, após uma palestra; Bárbara Eliodora, primeira mulher a se envolver numa insurreição puramente republicana; Ana Nery, voluntária na guerra do Paraguai; Dorothy Mayron Taukane, da tribo Bakairi, MT, destaque pelo seu trabalho de integração da mulher no processo socio-político e econômico do país, para citar apenas algumas dentre muitas.
Aqui se faz necessária uma referência e um reconhecimento imperativo: a todas as professoras de ontem e de hoje, deste imenso Brasil, porque elas são, por definição, fazedoras de caminhos: abrem avenidas espaçosas, calçadas de conhecimento, de força de vontade e disciplina intelectual. Incluo, aqui, meu modesto testemunho pessoal: foi como professora que, mesmo no Regime Militar, pude fazer política, não a partidária, mas a que politiza as pessoas para que exerçam plenamente suas potencialidades e aspirações, tanto intra como extramuros, sejam elas quais forem.
Para que pudéssemos viver o Brasil de hoje, com a força feminina atuando no cenário econômico, político e social do país, muitas mulheres conhecidas apenas em seus meios também fizeram História. Aqui relembro e homenageio todas elas, conhecidas ou desconhecidas, pelo nome de uma delas, que, tenho certeza, sintetiza todas: Helena Ferrari Teixeira, conhecida, em Santa Maria-RS, apenas como Helena Ferrari, a primeira vereadora brasileira, eleita em 1952, com extraordinária votação e reeleita para mais dois mandatos.
Sobre ela, tenho dois tipos de depoimento: o do âmbito familiar e o do público. Com relação ao primeiro, registro em breves palavras a minha admiração por essa tia e madrinha querida, que mimou os quatro sobrinhos como ninguém, pois ela não teve filhos – e como tê-los? Não apenas na infância teve por nós imenso desvelo, mas, até o fim de sua vida, ela foi uma entusiasta participante de nossas alegrias e conquistas: acalentou nossos sonhos adolescentes, foi co-autora de muitos projetos que frutificaram e hoje fazem parte de nosso cotidiano. Sempre buscamos nela o ombro amigo nas horas difíceis, e ela foi a nossa sábia conselheira, sempre isenta de qualquer julgamento.
Mas a Helena que aqui homenageio é a mulher pública, a que quebrou barreiras, venceu obstáculos e, como me disse um dia, em carta, ao se referir a meu comentário sobre sua trajetória: “Orgulho-me, sem vaidade, por ter contribuído para a valorização da mulher e para a busca de um mundo melhor”.
Ela foi incrível! Precisei ficar adulta para entender o quanto ela foi grande! Na infância – lembro bem – muito ouvi em casa: “ A Helena é louca!” Ela escandalizava a cidade – e a família enchia-se de vergonha – com seus atos, discursos, atitudes que destoavam do modelo das mulheres de então.
Entre suas ousadias, frequentava o Café Cristal – reduto exclusivamente masculino – para, entre um chope e outro, discutir questões políticas e sociais, enquanto moças e senhoras desacompanhadas não passavam sequer na porta do estabelecimento.
Como Santa Maria foi, em meados do século passado, um importante centro ferroviário, ela defendia os interesses da classe e, por isso, era chamada de “Musa dos Ferroviários”. Apoiava suas reivindicações e os liderava em passeatas pela cidade. Sua atuação política, entretanto, não foi só entre os ferroviários, mas com todo o seu eleitorado: mulheres de várias profissões, donas de casa, funcionários municipais, estudantes.
Ela foi também professora, poetisa, oradora eloquente, líder onde quer que estivesse. Seguidora e amiga de Getúlio Vargas, apoiou sempre os trabalhadores e os mais pobres, sem nunca esquecer as grandes questões nacionais que exigiam debates e esclarecimentos. Uma feminista antes mesmo de a expressão ter sido popularizada. Com não concordasse com mudanças ideológicas de seu partido, retirou-se da vida pública, mas, foi sempre uma entusiasta observadora do desabrochar  das sementes que lançou em terra fértil.
A trajetória de Helena é, hoje, tema de muitos trabalhos acadêmicos da Universidade Federal de Santa Maria, que prestam reconhecimento a seu papel no cenário político e social da cidade. Também a Câmara Municipal de Santa Maria, em 2002, a homenageou como Vereadora Emérita em reconhecimento a sua atuação digna como legisladora, pela sua dedicação ao povo que dela recebeu incontáveis exemplos de dignidade, solidariedade, coragem e fidelidade a seus princípios éticos e morais.
Era muita ousadia para uma mulher naquela época, mas ela soube muito bem se equilibrar entre os seus ideais e as críticas que recebia. Foi indiferente ao julgamento alheio e, consequentemente, superior, como todas aquelas que viveram à frente de seu tempo e buscaram ideais maiores.
E, assim como ela, neste imenso Brasil, houve muitas mulheres que dentro de suas casas, em seus locais de trabalho ou, timidamente, na vida pública abriram caminhos ainda que estreitos para que outras mulheres  os alargassem mais e mais até chegarmos aonde estamos: mulheres ocupam hoje posições sociais e políticas sem que isso cause escândalo, mal-estar ou surpresa.
Ao vivermos este novo panorama, não podemos deixar de reverenciar Helenas, Anas, Teresas, Leilas, todas as Marias e quantos nomes quisermos acrescentar, porque foram elas, mulheres anônimas, as grandes protagonistas de mudanças profundas ainda em curso, que a cada dia buscam tornar o mundo mais justo, mais igualitário, na vida pública com seus evidentes reflexos na vida de todos os brasileiros.
Quando nossa presidente é criticada, aplaudida ou homenageada, nada mais é do que a síntese de todas as Helenas que, com erros e acertos nos legaram um novo capítulo na História não só do Brasil como também do mundo.
Hoje que os caminhos já foram abertos, alargados por muitas antecessoras nossas, que muito mais se faça para que mulheres sejam cada vez mais respeitadas, reconhecidas; e que essa ascensão continue para que possamos legar caminhos muito mais amplos às gerações futuras. E essa é uma tarefa de cada uma de nós no meio em que atuamos, inclusive – e sobretudo – no ambiente familiar porque é lá o cadinho onde se forjam os homens e as mulheres do amanhã. 

         Aliris Porto Alegre dos Santos, uma brasileira de 65 anos
                                                       Brasília, 12.02.2013





VALIOSA OPORTUNIDADE

Ofereço para ti, Iainha, minhas reflexões escritas no ano passado.
Espero que elas te sejam útil no momento.


      Na grande partilha da vida, tenho sido imensamente agraciada. É claro que, às vezes, também me toca um osso duro de roer; em outras, um bonito limão verde e suculento, com sua cica azeda e forte. Foi o que recentemente me aconteceu: tive de fazer uma cirurgia em que praticamente não havia riscos, mas como era num dos pés, exigiu 3 semanas de repouso absoluto, mais 5 de repouso relativo e algumas mais, nem sei bem quantas serão, de muitas limitações para locomoção e severas restrições no calçado a ser usado.
Ao receber aquela fruta linda, mas de difícil digestão in natura, resolvi fazer uma gostosa limonada e a sorvi num delicado copo de cristal, muito bem ornamentado: uma rodela do próprio limão, para não esquecer a essência; um raminho de hortelã para sentir o suave perfume; e uma cereja para lembrar que a doçura da vida se faz presente mesmo quando não a enxergamos vivamente.
Tive excelente atendimento médico-hospitalar; o carinho dos familiares, pessoas próximas e amigos, a dedicação do Nilceu, em quem pude, após tantos anos de convivência, descobrir novas qualidades e habilidades. Ele foi meu enfermeiro 24 horas por dia — sem folga semanal — e, mais uma vez, o meu grande companheiro e amigo.
Mas não é exatamente sobre o cuidado, o carinho, a atenção que tenho recebido que pretendo falar. Quero, sim, expressar o grande momento interior que estou vivendo. Nessa longa aventura tive oportunidade de visitar os mais recônditos cantinhos do meu eu e, em cada um deles, me deter para um diálogo franco, amoroso e, em alguns casos, de reconciliação ou de reconstrução. Já no final do meu período de repouso, sinto-me mais fortalecida, mais feliz e, espero, mais humana e podendo ver a vida com mais amorosidade.
No início, eu mesma me surpreendi ao sentir o quanto estava gostoso o período pelo qual estava passando; familiares e amigos não entendiam como me sentia tão bem naquela situação. Mas, aos poucos, percebi que eu estava precisando desse tempo para mim. Tenho feito de tudo um pouco: leio, medito, tricoto, recebo carinhosas visitas, bato papo ao telefone, navego um pouco na internet e raramente vejo televisão. Preparei, inclusive, a lista das pessoas que pretendo presentear no Natal que se aproxima e, para isso, tenho feito encomendas por telefone ou por e-mail, enfim, rego com alegria e satisfação tudo o que posso fazer. As terças-feiras à tarde são muito especiais. Bebela, minha neta de 3 anos e meio, vem ficar comigo e, então, aproveitamos para descansar e depois brincamos de boneca, fazemos montagens, desenhamos... Tudo em cima da cama! Espero que ela guarde na memória esses gostosos momentos de nossa convivência e que, um dia, ela relembre-os com carinho.
 Voltando à minha lista de pessoas para presentear no Natal, considerei-a muito especial porque nela incluí familiares e amigos que há muito tempo andavam esquecidos! De fato, o corre-corre da vida, muitas vezes, não nos deixa perceber o que está diante dos nossos olhos. E essa minha “parada” me oportunizou tempo para enxergar poesia onde há muito tempo não conseguia ver.
Hoje, após mais de 70 dias da cirurgia, ainda com muitas limitações para  locomoção, ou seja, preciso intercalar breves caminhadas dentro de casa com horários de repouso na cama ou no sofá. E, ao ficar muito tempo no sofá, vi habitada uma casinha de passarinhos na minha varanda. Acompanhei os pais, na sua faina diária de alimentar os filhotes e estes a cada dia a reclamar mais e mais alimentos até que, numa tarde, os três voaram e ganharam o mundo e eu, ali, com tempo para assistir a esse belo espetáculo da vida. Fui copartícipe de momentos de extrema beleza e ternura!
Ultimamente tenho pensado: nem sempre dedicamos tempo ou aguçamos a sensibilidade para ver, sentir e nos determos diante dos grandes espetáculos da vida, mas eles nos rodeiam silenciosos e indiferentes à nossa indiferença!
Ao rever esse período, lembro daquele aviso, nas portarias de algumas entidades públicas, geralmente militares, quando se chega de carro à noite, que diz: Pare/Desligue o motor e os faróis/Acenda a luz interna/ Identifique-se/Prossiga.
Fazendo uma analogia, posso dizer que dos passos acima, estou – por necessidade – no final da identificação e pronta para prosseguir. Pelo menos é o que penso! Talvez o repouso maior que ainda se faz necessário neste momento seja para alguma identificação ainda não identificada.
Enfim, viver é isso: buscar a lição e o encantamento que cada situação nos proporciona, usufruir cada dia a alegria daquilo que dispomos, sem nunca esquecer que tudo contribui para o nosso crescimento: para que possamos hoje ser melhores do que ontem e, amanhã, melhores do que hoje.
                                                 Amorosamente, Aliris
                                                   Brasília, 03.11.2011







SABIÁ, "HOJE EU ACORDEI COM SAUDADE DE VOCÊ!"


Esta manhã, não sei por que, acordei mais cedo. Ainda tentei conciliar o sono, mas os pensamentos não permitiram: voaram, voaram... Lembrei disso, daquilo e me detive na falta do canto do sabiá que, na primavera, algumas vezes acompanha o meu despertar ou não me deixar mais dormir com seu assobio insistente.
De início achei um privilégio meu, no verão sentir saudade do canto do sabiá da primavera. Pensei mais um pouco e lembrei que muito já se falou no canto desse pássaro. Concluí, então, que muitas outras pessoas, como eu, já se detiveram nesse mesmo cismar prazeroso.
“Você sabia que o sabiá sabia assobiar?” Na infância, pediam os mais velhos que repetíssemos a frase para “ treinar a língua”  e aguçar o ouvido às sutilezas do nosso idioma.
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.”

Na primeira estrofe de Canção do Exílio, Gonçalves Dias, ao expressar saudade de pátria, lembra do canto do sabiá. Alguém já disse que foi para rimar com lá, ou ele precisou do lá para rimar com sabiá? Não sei... não sei! Ainda sobre essa mesma estrofe dizem os mais ortodoxos que o sabiá não pousa nem faz ninho em palmeiras. Eles esquecem na sua rigidez que detalhes como esse pouco importam à poesia mais  preocupada com a escolha de palavras suaves e bem colocadas que denotem sentimentalismo, musicalidade, expressividade.
Seguindo viagem nas minhas reflexões, me lembrei que, há algum tempo, li não sei onde sobre o canto do sabiá. Como é bom saber um pouquinho mais das coisas: é na primavera que ele dá sinal de vida tão logo “rompe fresca e sanguínea a madrugada”.  Pontualidade e persistência, nada mais que a preservação da espécie.
Pelo pouco que sei, o sabiá faz seu ninho no lugar mais protegido possível e, enquanto a fêmea aquece os ovos para que a reprodução se concretize, ele fica ao lado como guardião e seu assobio é para marcar território, dizer aos predadores: eu estou aqui como companheiro fiel e guardião dos ovinhos que logo serão vida para que se perpetue o cantar do sabiá e – quem sabe? – produzir mais e mais reflexões sobre questão que tive tempo e sensibilidade para ouvir e sentir somente depois dos 60 anos.
Você que me lê, preste atenção: comece bem mais cedo a afinar o ouvido e a sensibilidade para os sons da natureza. Vale a pena! Neles, podemos descobrir maravilhas que não se impõem, mas estão ali para o deleite daqueles que têm ouvidos para traduzi-los e, principalmente, senti-los.
Nos últimos anos, em todas as primaveras acontece a mesma coisa: ouço cedo o cantar do sabiá e não sabia ao certo se o ninho era na mangueira ou no abacateiro do meu quintal, dois imensos palácios verdes que abrigam pássaros, insetos e produzem frutos que, além de alimentarem, reúnem amigos para saboreá-los em gostosos bate-papos nos fins de tarde. Nunca procurei saber o local exato, pois acredito que certas intimidades são insondáveis, impenetráveis! É bom que se descubram as coisas lentamente, um pouco por dia... saboreando o prazer de ler nas entrelinhas o que as linhas não querem dizer claramente.
A certeza, entretanto, nem sempre é o que precisamos. Que importava para mim se era na mangueira ou no abacateiro? Desfrutar o som daquele belo assobio tão significativo, nas manhãs de primavera, como um sinal com o sentido que cada um queira lhe dar, é o que mais me sensibiliza.
Agora sei que o ninho fica na mangueira, mas foi alto o preço da minha certeza: o meu belo abacateiro morreu no último inverno, não resistiu ao ataque de uma praga. Toda a família teve com ele uma afetiva convivência por mais de 20 anos. Não só nós, da família, mas também amigos lastimam sua falta... Ele sempre esteve ali sem muito pedir, mas muito a oferecer...
Nossa mente – não precisamos entender muito sobre ela, isso é trabalho para cientistas! – nos faz viajar, sentir, visitar e revisitar situações, locais, amores vividos. Tudo num piscar de olhos! Que privilégio nossa memória!
Hoje desfrutei intensamente desse privilégio: lembrei músicas, fatos passados, poesias e aproveitei para juntar todo esse emaranhado de recordações num formato breve e reflexivo de vivências, que rapidamente me ocorreram. Outras ficaram pelo caminho – não lastimo –, pois o mais importante não é lembrá-las e sim vivê-las no momento certo, sem precisar saber muito bem o porquê.
Sabiás, obrigada por vocês existirem, me darem oportunidade de ouvi-los, de repensar a vida e querer vivê-la sem retoques nem muitas certezas, apenas vivê-la e buscar o que para mim é a sua essência: a felicidade.
Que importa se o sabiá que ouço nas manhãs de primavera está nessa ou naquela árvore, se é o mesmo de outros tempos? Certezas, certezas... para que servem?... Não sei e, mais uma vez, como disse um poeta que não tenho certeza do nome, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena!” Quer me parecer tenha sido Fernando Pessoa!
Neste exato momento em que pensei ter posto o ponta final, ouço a conversa de dois bem-te-vis a me dizer: “ – O sabiá está em outra estação, mas eu aqui estou!”
Conversas de bem-te-vis será assunto de outra reflexão! Que bom! O mundo está cheio de oportunidades, basta saber vê-las, ouvi-las, senti-las e, se possível, vivê-las em toda a sua plenitude sem muitas perguntas, respostas ou certezas... apenas vivê-las!
            
                                        Amorosamente, Aliris
                                         Brasília, 11.01.2013

O BUMERANGUE DO AFETO

Meu neto, Eduardo, hoje com 10 anos, continua a me surpreender. Ele, como todo neto, é lindo e muito inteligente, mas tenho certeza – os outros avós que me perdoem – ele é um pouquinho mais: sabe, em poucas palavras ou sutis comentários, explicar o que para nós, adultos, não é fácil de expressar.
Ele é filho de Mauren, minha filha mais moça, que, ao ser mãe, viu-se na contingência de tornar-se “pãe”. Diante dessa situação, sem assumir a educação de Eduardo, também me vi na contingência de dar a ela apoio irrestrito. E assim tem sido: Mauren e eu somos companheiras para resolver as mais diversas situações, tais como festas de aniversário, comparecer ao colégio em datas comemorativas ou quando o comportamento de Eduardo exige a presença da família, decidimos juntas as atividades extracurriculares, levar a médicos, dentistas, hospitais, quando necessário. Muitas vezes, nas impossibilidades da mãe, em razão de inadiáveis compromissos profissionais, apenas eu o acompanho nas emergências de saúde. Como se sabe, com criança sadia também acontecem corre-corres: febre alta, tombo, dor de barriga, bicho-de-pé, piolho e tudo mais que um garoto saudável tem de enfrentar.
Em todas as ocasiões em que ele precisou passar por “apertos”, eu segurei forte na mão dele e disse – diante da minha limitação humana: “ – Eduardo, eu estou aqui contigo!” E, assim, fomos resolvendo cada situação.
Sempre achei que estava fazendo o que era possível para o momento, mas não sabia o quanto a presença, o segurar na mão e aquelas palavras eram importantes para ele e o marcaram tanto.
Quando tia Raquel decidiu fazer uma tatuagem, Eduardo, ao saber que ela ia sozinha, decidiu acompanhá-la. Logo de início, ficou um pouco afastado, mas quando a viu fazer “caras de dor”, logo se aproximou, pegou-lhe pela mão e disse: “– Tia Raquel, eu estou aqui com você!”
Esse fato me emocionou sobremodo porque pude confirmar o que sempre pensei: todo amor, carinho, compreensão, apoio que damos a uma criança retorna ampliado: sim, ampliado, porque eu sou adulta e ele, conforme explica, pré-adolescente, teve desprendimento para acordar cedo numa manhã de sábado e ser o companheiro e o apoio da tia.
E, ainda, dentro do meu contexto familiar, repito o que sempre ouvi de minha mãe, também educadora: “As palavras comovem, os exemplos arrastam!”
Educar pelo exemplo, ser presença nas horas boas e ruins, brincar com as crianças, conversar com elas, escutá-las atentamente e aguçar a sensibilidade para perceber o que dizem nas entrelinhas é nosso dever de pais, avós e educadores. E, principalmente, amarmos nossas crianças quando elas menos merecerem porque é quando elas mais precisam.
 Nunca se pode esquecer: “A semeadura é livre; a colheita, obrigatória!”

                                                      

       Aliris Porto Alegre dos Santos
            Mãe, avó, educadora 

             Brasília, 26.02.2013
 
 

 
  DOCE LEMBRANÇA DE UMA FESTA QUE NÃO COMPARECI

Minha vida – como a de todas as mulheres, hoje na faixa dos 60 anos, que tiveram necessidade ou optaram por trabalhar fora – foi muito tumultuada, carregada de culpa pelo tempo que era “roubado” da família*. Entre os 30 e 40 anos, minha vida foi um corre-corre sem fim: cuidar dos três filhos ainda tão dependentes, da casa, da vida profissional, sem esquecer, é claro da vida conjugal. Ufa, quanta coisa!...
Nesse período, ocorreram fatos importantes e marcantes cujos reflexos ainda fazem parte de meu cotidiano. Nós nos mudamos de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para Brasília – eu, Nilceu, Junior com 6 anos, Raquel com 2 anos e Mauren com 2 meses. Muitas coisas novas: Brasília, três filhos; longe da família; Nilceu com novas e importantes responsabilidades, o que exigia de mim grande dedicação à família para que ele tivesse mais tranquilidade; novas amizades; novos empregos – sempre em tempo parcial; o mestrado; a morte de meu pai... Caminhos nunca antes trilhados, oportunidades, perdas, enfim a necessidade de novas adaptações nem sempre fácies.
E assim ia a minha vida... No mês de maio de 1982, como todo ano, recebi o convite para a festa do Dia das Mães da escola em que os meus filhos estudavam. E eu não poderia comparecer, pois meu trabalho tinha de ser no horário em que eles estavam na escola! Expliquei a eles que entenderam muito bem porque cresceram me vendo trabalhar fora – quando comecei a trabalhar, Junior tinha 11 dias. (As leis eram outras e as circunstâncias também!)
Mas Raquel, então, com 7 anos, me pediu o seguinte:
“— Mãe, vai me buscar na escola nesse dia?! Mas explica para professora porque tu não ‘vai’ !”
(Explico-me: no compartilhar das tarefas, levar e buscar as crianças na escola cabia ao pai.)
Sem muito entender, fui à escola e expliquei às professoras dos três filhos por que não iria e, como combinado, lá estava eu na saída da festa!
Logo na chegada, encontrei Raquel com um bonito presente próprio para criança, muito feliz vindo ao meu encontro. E logo comentei:
“— Que estranho, minha filha, a festa era para as mães e tu recebeste o presente!”
“— Mãe, é que a minha redação do Dia das Mães foi premiada e este é o meu presente. Eu li a redação na festa!”
Quem já esteve na corda bamba, tentando equilibrar trabalho e dedicação aos filhos, com certeza, vai me entender muito bem! As minhas pernas afrouxaram e eu meio confusa, sem saber o que dizer, acho que disse o pior:
“— Minha filha, todas as mães estavam lá para te ouvir e te aplaudir, só a tua mãe não estava!”
A resposta foi o mais belo dos presentes.
“— Não teve nenhum problema, mãe. Eu te amei em cada momento!”
Haverá presente mais significativo que esse! A redação ficou exposta no mural da escola, perdeu-se no tempo, mas não lastimo porque a doce resposta da minha filha, sempre tão dona do seu nariz, assim como outras grandes mulheres da família, ainda soa nos meus ouvidos como uma das belas lembranças que guardo da vida.

                                        Aliris, mãe de Raquel

*Sei que as mais jovens também viveram ou vivem esse drama, mas  amenizado por algumas barreiras já quebradas e preconceitos atenuados.

                                                                       Brasília, 18.08.2009

(Publicado no livro virtual Revelações, do TRF - 1ª Região, em 2012)