segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

WHATSAPP: EU?!... TÔ FORA!


Nunca o poema O Valioso Tempo dos Maduros, de Mário de Andrade, fez tanto sentido para mim. E não poderia ser diferente. Leia-o e saiba por quê.


Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas...
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!



Nessa ótica, hoje, dedico meu tempo, na medida do possível, só ao que acho que vale à pena. Dispenso, sem cerimônia, coisas como facebook e WhatsApp, na minha opinião, ícones da mais absoluta frivolidade. Sei que em determinados momentos são realmente úteis, mas, com certeza, em nada mais que 5 a 10% dos casos. E, aí, tenho certeza, um e-mail ou outra opção de modernidade resolve da mesma forma.
Considero que comunicação por redes sociais é uma grande “ilha da fantasia”: as pessoas sempre felizes, bem vestidas ou em situações de provocar inveja a qualquer mortal, como o próprio emissor, fosse ele o receptor. Coisas como estar sentado à beira da praia em plena segunda-feira ou no mais badalado restaurante da moda estão entre as preferidas.
Felicitações de fim de ano, então, nem se fala: a mesma mensagem corre de lá pra cá, de cá pra lá. E o emitente nem sabe muito bem para quem já mandou... não raras vezes apenas a devolve!
Grupos de família, outra piada. A par de inteiração e fotos compartilhadas, correm fofocas e recados dissimulados ou mesmo expressos.
Quanto engano em tudo isso! Eu, como decidi não aderir a essa fantasia da modernidade, sou mal interpretada, para muitos uma verdadeira jurássica! Quando respondo que é uma escolha, mais assustadas ainda ficam as pessoas.
Gosto de me comunicar, isto é, daquela comunicação que tem origem na palavra latina communicatio, que significa tornar comum, e não em communis, também de origem latina, que quer dizer algo compartilhado por vários, público, geral. Não quero olhar para uma lista interminável de mensagens e “sortear” uma ou outra para ler. Mando e-mails, SMS, telefono e, o melhor de tudo, faço e recebo visitas, saio com quem acho que vale à pena, para uma gostosa cafeteria, já que para um choppinho do fim do dia está difícil com a nova legislação... Enfim, gosto mesmo do aconchego da comunicação tête-à-tête.
 Às vezes, sei que fico um pouco atrasada para ligar para essa ou aquela pessoa, pois, hoje, com os novos costumes, nunca se sabe se é ou não uma boa hora, mas como só telefono para pessoas que são realmente importantes para mim e sempre pergunto se podem atender, tenho ficado à vontade.
Todas essas imposições do mundo moderno têm me feito refletir muito: fazemos isso ou aquilo sem nem saber bem por quê! E, assim, vamos levando a vida de modismo em modismo, como afirma Mario Vargas Llosa, em A Civilização do Espetáculo:

(...) a publicidade e as modas que lançam e impõem os produtos culturais em nossos tempos são um sério obstáculo à criação de indivíduos independentes, capazes de julgar por si mesmos o que apreciam, admiram, acham desagradável e enganoso ou horripilante em tais produtos. A cultura-mundo, em vez de promover o indivíduo, imbeciliza-o, privando-o de lucidez e livre-arbítrio à “cultura” dominante de maneira gregária, como os cães de Pavlov à campainha que anunciava a comida”.

            Espero que os amigos que lerem o meu desabafo me entendam e os que não lerem, tenho certeza, continuarão a me achar uma “fora do tempo” e eu continuarei a engolir sapo que, infelizmente, como diz Luis Fernando Veríssimo “o homem é o único animal que engole sapo não pelo seu valor nutritivo”.

 É uma pena! Mas são coisas da vida! Fazer o quê? Não sei, não sei...

domingo, 17 de janeiro de 2016


BOLINHO DE ARROZ



         Há coisas que não cabem em palavras – aquele cheiro, aquele toque, aquele gosto, aquele olhar, aquele som – vivem apenas na nossa memória que, muitas e muitas vezes, nos permite viajar por lembranças que só a nós pertencem.
         Nesta semana, comi bolinhos de arroz (impossível comer um só) e me perdi em doces recordações provocadas por aquele sabor da infância.
         Embora meu companheiro de almoço – o mesmo de há quase 50 anos – não percebesse, entremeei ao nosso bate-papo uma viagem ao passado e me vi sentada à mesa com meus pais, minhas irmãs e minha avó materna saboreando os mesmos bolinhos, minha iguaria preferida de criança.
         A partir daí afloraram emoções e mais emoções: inicialmente me vi na copa e dali saí em visita àquela imensa casa de cômodos grandes e teto altíssimo que muitas vezes me amedrontou pelo contraste com a minha pequenez infantil. Nesse andar, me detive num ou noutro lugar e revivi afetos, medos, fatos curiosos, amorosos ou nem tanto... enfim, viajei na singularidade da minha memória, aquela companheira que, em essência, é apenas nossa.
         Lembrei, com carinho, o aperto em que coloquei meu pai – que nunca disse um não para nós, as filhas –, pois pedia insistentemente que ele plantasse, no nosso pátio, uma árvore de bolinho. Ele adiava, adiava: ora estava esperando a nova estação, ora não tinha encontrado a muda, ora faltava o adubo.
         Enquanto isso, o tempo passava e, vez por outra, a família comia bolinho de arroz no almoço ou no jantar e eu ia crescendo, crescendo, e entendi, por mim própria, que bolinho de arroz não dá em árvore. Compreensão que – não sei exatamente como – veio aos poucos, sem que meu pai abalasse a minha fantasia de correr pelo pátio e colher um dourado bolinho de arroz sem precisar interromper a brincadeira.
         Das lembranças passei às reflexões e vi, na atitude de meu pai, a grande lição de Cervantes, em Dom Quixote de La Mancha: nunca destrua o sonho de ninguém, mesmo que lhe pareça pequeno ou até insignificante, ridículo ou surreal. O sonho do outro não lhe pertence!
         Lembrei, também, Fernando Pessoa que escreveu mais ou menos o seguinte: “Pode ser que o mundo se faça com o que sonhamos, mas ele nunca será feito com o que esquecemos de sonhar.”
        
(Decidi comer bolinhos de arroz mais seguidamente!)

Amorosamente, Aliris

16.01.2016