CIRANDA DE AFETOS
A minha família – Teixeira Porto
Alegre – se parece com outras tantas famílias, mas é a mais legal de todas!
Mas, se pensarmos melhor, é sui generis! Todos habitam numa sólida
edificação de cinco andares com uma claraboia no centro que, logo cedo, fornece
a luz e o calor do sol e, à noite, é coberta por um pálio estrelado.
No quarto e no quinto andar moram
antigas relíquias e a saudade. Aquela saudade que acolhe, acalanta, aquece o
corpo e a alma. Há a saudade daqueles com quem não compartilhamos a vida, mas
aprendemos a amar pelo amor que havia nas histórias que ouvimos na infância e
também dos mais próximos por tudo que foram e continuam sendo em nossas vidas.
Lá estão as fotos dos irmãos Porto
Alegre (Aquiles, Apeles e Apolinário), da vó Sinhá, a matriarca dos Souza
Teixeira e do tio Manduca (seu Duca) sempre nos lembrando sua filosofia, até
hoje irrefutável. Há estantes com livros de autoria dos irmãos Porto Alegre,
outros de literatura, história e filosofia, muitos de matemática, também
revistas e velhos recortes de jornais, certamente do acervo da tia Helena.
Estão também os baús onde se encontram coisas inimagináveis que nos encantam,
mas sempre úteis como o lindo guardanapo de crochê amarelo feito pela vó Sinhá,
conselhos para todas as horas, aquela bandeja de florinhas coloridas já marcada
pelo tempo, reflexões sobre a vida e muito mais... Enfim, ensinamentos que
ecoam em cada canto e têm nos orientado vida afora.
Os do terceiro andar, hoje, se
dedicam principalmente à consultoria que vai da receita de bolo ou tricô à dor
de cotovelo; da dúvida de português ou matemática ao adubo para orquídea ou
samambaia. Lá tem também maravilha
curativa e pomada mágica que curam
as dores do corpo e da alma; tem aconchego e caixas e mais caixas de
fotografias antigas e nem tão antigas assim; guloseimas que lembram a infância
e gavetas para vasculhar com curiosidade e satisfação incontidas. Existe wi-fi,
mas o que mais cativa são as amplas salas que convidam ao bate-papo e as
grandes mesas de refeição recobertas de sabores que despertam emoções.
O pessoal do segundo andar vive num
corre-core incessante. É o horário do trabalho, cuidar das crianças, ler um
último artigo antes de fechar o texto da próxima publicação, ir ao
supermercado, sem esquecer que as unhas estão reclamando atenção! Precisa tempo
para os exercícios físicos e para inspecionar a reforma da cozinha. O carro
está sujo, o pet adoeceu, o vento quebrou mais um grande galho do ipê
cor-de-rosa e ele precisa de cuidados, o filho reclama atenção, a filha quer
saber se ficou bem com o novo corte de cabelo... Correm pra lá e pra cá, enfim
vivem intensamente cada faceta de suas vidas, mas sempre reservam tempo para o
convívio, o aconchego, o café ou o chimarrão compartilhado, o vinho ao pé da
lareira no inverno e, no verão, a cervejinha na varanda que se abre para a
claraboia.
O primeiro andar, o mais movimentado
e divertido. Lá os eletrônicos imperam: mil jogos, os livros tradicionais sendo
substituídos pelos virtuais; celulares com um sem-múmero de aplicativos,
músicas altas e agitadas. As angústias dos que adolescem; as certezas dos que
pensam tudo saber; as dúvidas persistentes e as paixões passageiras; os sonhos
e os encantos acalantados; as emoções e decepções do primeiro amor. Todos muito
confiantes em seu andar porque têm a certeza de que os dos andares de cima lhes
legaram o que existe de mais importante para trilhar os caminhos da vida:
raízes e asas.
Ainda faltou explicar que, no espaço
da claraboia, existe uma escada de ferro em caracol para unir todos que habitam
essa comunidade, em números, mais feminina que masculina e de relações
simétricas que assim se expressam em inconfundível gauchês: mãe, tu.../ vô,
tu.../ tia, tu...
É essa constituição familiar que dá a
cada um de nós a ousadia de ser quem se deseja e guiar os rumos de nossas
vidas, olhar, com orgulho, o passado com seus belos e inconfundíveis exemplos;
o presente com determinação, segurança e muito amor; o futuro com a certeza de
que as novas gerações saberão se sustentar em suas raízes e usar as asas para
voar em busca de seus sonhos.
Amorosamente, Aliris
03.06.2021