domingo, 20 de junho de 2021

 

CIRANDA DE AFETOS

 

A minha família – Teixeira Porto Alegre – se parece com outras tantas famílias, mas é a mais legal de todas!

Mas, se pensarmos melhor, é sui generis! Todos habitam numa sólida edificação de cinco andares com uma claraboia no centro que, logo cedo, fornece a luz e o calor do sol e, à noite, é coberta por um pálio estrelado.

No quarto e no quinto andar moram antigas relíquias e a saudade. Aquela saudade que acolhe, acalanta, aquece o corpo e a alma. Há a saudade daqueles com quem não compartilhamos a vida, mas aprendemos a amar pelo amor que havia nas histórias que ouvimos na infância e também dos mais próximos por tudo que foram e continuam sendo em nossas vidas.

Lá estão as fotos dos irmãos Porto Alegre (Aquiles, Apeles e Apolinário), da vó Sinhá, a matriarca dos Souza Teixeira e do tio Manduca (seu Duca) sempre nos lembrando sua filosofia, até hoje irrefutável. Há estantes com livros de autoria dos irmãos Porto Alegre, outros de literatura, história e filosofia, muitos de matemática, também revistas e velhos recortes de jornais, certamente do acervo da tia Helena. Estão também os baús onde se encontram coisas inimagináveis que nos encantam, mas sempre úteis como o lindo guardanapo de crochê amarelo feito pela vó Sinhá, conselhos para todas as horas, aquela bandeja de florinhas coloridas já marcada pelo tempo, reflexões sobre a vida e muito mais... Enfim, ensinamentos que ecoam em cada canto e têm nos orientado vida afora.

Os do terceiro andar, hoje, se dedicam principalmente à consultoria que vai da receita de bolo ou tricô à dor de cotovelo; da dúvida de português ou matemática ao adubo para orquídea ou samambaia. Lá tem também maravilha curativa e pomada mágica que curam as dores do corpo e da alma; tem aconchego e caixas e mais caixas de fotografias antigas e nem tão antigas assim; guloseimas que lembram a infância e gavetas para vasculhar com curiosidade e satisfação incontidas. Existe wi-fi, mas o que mais cativa são as amplas salas que convidam ao bate-papo e as grandes mesas de refeição recobertas de sabores que despertam emoções.

O pessoal do segundo andar vive num corre-core incessante. É o horário do trabalho, cuidar das crianças, ler um último artigo antes de fechar o texto da próxima publicação, ir ao supermercado, sem esquecer que as unhas estão reclamando atenção! Precisa tempo para os exercícios físicos e para inspecionar a reforma da cozinha. O carro está sujo, o pet adoeceu, o vento quebrou mais um grande galho do ipê cor-de-rosa e ele precisa de cuidados, o filho reclama atenção, a filha quer saber se ficou bem com o novo corte de cabelo... Correm pra lá e pra cá, enfim vivem intensamente cada faceta de suas vidas, mas sempre reservam tempo para o convívio, o aconchego, o café ou o chimarrão compartilhado, o vinho ao pé da lareira no inverno e, no verão, a cervejinha na varanda que se abre para a claraboia.

O primeiro andar, o mais movimentado e divertido. Lá os eletrônicos imperam: mil jogos, os livros tradicionais sendo substituídos pelos virtuais; celulares com um sem-múmero de aplicativos, músicas altas e agitadas. As angústias dos que adolescem; as certezas dos que pensam tudo saber; as dúvidas persistentes e as paixões passageiras; os sonhos e os encantos acalantados; as emoções e decepções do primeiro amor. Todos muito confiantes em seu andar porque têm a certeza de que os dos andares de cima lhes legaram o que existe de mais importante para trilhar os caminhos da vida: raízes e asas.

Ainda faltou explicar que, no espaço da claraboia, existe uma escada de ferro em caracol para unir todos que habitam essa comunidade, em números, mais feminina que masculina e de relações simétricas que assim se expressam em inconfundível gauchês: mãe, tu.../ vô, tu.../ tia, tu...

É essa constituição familiar que dá a cada um de nós a ousadia de ser quem se deseja e guiar os rumos de nossas vidas, olhar, com orgulho, o passado com seus belos e inconfundíveis exemplos; o presente com determinação, segurança e muito amor; o futuro com a certeza de que as novas gerações saberão se sustentar em suas raízes e usar as asas para voar em busca de seus sonhos.

Amorosamente, Aliris

                                                                                                          03.06.2021