CAVACOS DO OFÍCIO
Hoje,
debruço, numa das janelas da minh’alma, um pouco do meu eu profissional. Como
professora de Língua Portuguesa, além de
exercer o magistério por 36 anos, fui também revisora – tarefa extremamente difícil que, às vezes,
nos surpreende desagradavelmente.
Sobre
isso, um desabafo escrito em março de 2004, que continuo endossando ipsis litteris.
Ao concluir a revisão de um texto, após muitas
leituras e análises, temos a convicção de que tudo está, de fato, correto.
Quando o texto sai publicado, no entanto, vêm as surpresas. Às vezes, as mais
desagradáveis possíveis.
Monteiro Lobato expressou essa situação com o
comentário a seguir transcrito. "A luta contra o erro tipográfico tem algo
de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se invisíveis. Mas
assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar
a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência não
conseguiu decifrar..."
Há algum tempo, está sendo veiculada pela internet,
sem referência a autor nem a fonte precisa, a informação seguinte. “De aorcdo
com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as
lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia
lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe
anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a
plravaa cmoo um tdoo. Vdaerde!”
O
tempo passa, as explicações se modificam, mas o problema persiste!
É certo que, hoje, a informática auxilia a tarefa de
revisão, quer com relação à troca de letras, falta de espaço entre as palavras,
repetições ou, quase sempre, incorreções ortográficas A revisão final de um
texto, entretanto, continua e, certamente continuará até onde consigo
vislumbrar, a ser uma tarefa humana que exige, além de amplo conhecimento da
língua, extremo cuidado, alto grau de concentração e muitas horas de trabalho.
No livro As
Mentiras que os Homens Contam, Luis Fernando Verissimo, como sempre, nos
diverte ao escrever na crônica Sebo, sobre o desespero de um escritor iniciante
que descobre um cacófato no seu único livro publicado. O desespero era tanto
que ele foi ao “fim do mundo” para recolher todos os poucos exemplares
vendidos.
É hilaria a descrição do último exemplar encontrado,
fora adquirido num sebo, por um colecionador
de livros que – por educação – disse ter lido não uma, mas duas vezes
para ser ainda mais gentil. Como todos que possuíam o livro, entretanto, foi
morto porque ninguém que tivesse lido poderia continuar vivo: “Ele não podia
suportar a ideia de descobrirem seu cacófato”.
Que isso lhe sirva de consolo quando perceber
tardiamente um erro, às vezes bobo, que não poderia ter passado despercebido.
Como não há mais nada a fazer para solucionar o problema, faça, então, apenas
um ar de desapercebido e continue sendo feliz! Sou bem mais discreta que
“aquela ministra”!
Com compreensão a mim própria e a todos os revisores
08.07.2013
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