segunda-feira, 15 de julho de 2013

CAVACOS DO OFÍCIO



Hoje, debruço, numa das janelas da minh’alma, um pouco do meu eu profissional. Como professora de Língua Portuguesa, além  de exercer o magistério por 36 anos, fui também revisora  – tarefa extremamente difícil que, às vezes, nos surpreende desagradavelmente.
Sobre isso, um desabafo escrito em março de 2004, que continuo endossando ipsis litteris.
Ao concluir a revisão de um texto, após muitas leituras e análises, temos a convicção de que tudo está, de fato, correto. Quando o texto sai publicado, no entanto, vêm as surpresas. Às vezes, as mais desagradáveis possíveis.
Monteiro Lobato expressou essa situação com o comentário a seguir transcrito. "A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se invisíveis. Mas assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência não conseguiu decifrar..."
Há algum tempo, está sendo veiculada pela internet, sem referência a autor nem a fonte precisa, a informação seguinte. “De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. Vdaerde!”
         O tempo passa, as explicações se modificam, mas  o problema persiste!
É certo que, hoje, a informática auxilia a tarefa de revisão, quer com relação à troca de letras, falta de espaço entre as palavras, repetições ou, quase sempre, incorreções ortográficas A revisão final de um texto, entretanto, continua e, certamente continuará até onde consigo vislumbrar, a ser uma tarefa humana que exige, além de amplo conhecimento da língua, extremo cuidado, alto grau de concentração e muitas horas de trabalho.
No livro As Mentiras que os Homens Contam, Luis Fernando Verissimo, como sempre, nos diverte ao escrever na crônica Sebo, sobre o desespero de um escritor iniciante que descobre um cacófato no seu único livro publicado. O desespero era tanto que ele foi ao “fim do mundo” para recolher todos os poucos exemplares vendidos.
É hilaria a descrição do último exemplar encontrado, fora adquirido num sebo, por um colecionador  de livros que – por educação – disse ter lido não uma, mas duas vezes para ser ainda mais gentil. Como todos que possuíam o livro, entretanto, foi morto porque ninguém que tivesse lido poderia continuar vivo: “Ele não podia suportar a ideia de descobrirem seu cacófato”.
Que isso lhe sirva de consolo quando perceber tardiamente um erro, às vezes bobo, que não poderia ter passado despercebido. Como não há mais nada a fazer para solucionar o problema, faça, então, apenas um ar de desapercebido e continue sendo feliz! Sou bem mais discreta que “aquela ministra”!


 Com compreensão a mim própria e a todos os revisores
                                             08.07.2013



Nenhum comentário:

Postar um comentário