POR QUE SÓ AGORA ESCREVO?
É o que familiares e amigos insistentemente querem saber. Diante da inquietação de tantas pessoas, também me questionei e fui em busca da resposta. Para isso, muito “conversei com os meus botões”, para usar uma expressão da minha mãe! Não sou de ficar sem resposta quando a pergunta, de fato, merece ser respondida.
Na minha conversa íntima, expliquei a mim mesma que essa faceta só agora teve oportunidade de se mostrar, porque minha vida foi sempre um corre-corre, dividida entre a família e a profissão. Acrescente-se a isso duas realidades que vivi: uma comum a todas as mulheres, hoje, na década dos “sessenta e uns” e outra particular. Esta, a minha mudança com a família de Santa Maria-RS para Brasília, com três filhos pequenos, a mais moça com apenas dois meses; aquela, o desconforto por não estar me dedicando integralmente aos filhos.
Enfim, a família exigia de um lado; a vida profissional e o constante aperfeiçoamento – já um imperativo, de outro. Havia também um dilema íntimo: como tirar mais tempo da família para o deleite da escrita descompromissada?! Vontade de escrever nunca faltou! Felizmente, na vida, há momento para tudo, basta querer!
Pensei, então, hoje, aposentada, com os filhos adultos e independentes, sem precisar ser “equilibrista” para dar conta de tantos afazeres, me sobrou tempo para o deleite, recordar, registrar e abrir janelas para expor alegrias sentidas, emoções vividas, enfim, o que considero relíquias que merecem ser compartilhadas.
Como minha explicação me pareceu um tanto lógica e objetiva, resolvi ler um pouco de poesia. É sempre bom! E não tardei a encontrar eco para o que havia pensado no que disse em versos o poeta austríaco Rainer Maria Rilke: no começo da manhã, os pássaros voam para todos os lados, em todas as direções, fazem mil coisas... Ao cair da tarde, têm uma só direção: a volta ao ninho, sem mais conversa ou dispersão.
Continuando minhas leituras, em Fernando Pessoa, com o pseudônimo Álvaro de Campos, achei uma explicação que não me havia ocorrido. Deparei-me com um esclarecimento a mais, uma ampliação das minhas justificativas preliminares, coincidentes com o que penso e com a crença que professo nesta quadra da vida.
O poema, transcrevo a seguir.
Às vezes tenho ideias felizes,
Ideias subitamente felizes, em ideias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...
Como se sabe, nas obras dos grandes poetas, escritores e pensadores de todos os tempos, as perguntas que nos inquietam são respondidas, se não de maneira explícita, claras nas entrelinhas. É só aguçarmos a sensibilidade!
A quem me inquiriu e a mim mesma, a resposta – por enquanto – é esta: hoje escrevo porque com disponibilidade de tempo e novos interesses, entrei em outra sintonia e escrever é apenas uma das riquezas desta feliz fase da minha vida, enfim, escrevo porque o momento exige e a minh’alma está repleta. Escrever, considero o reino intermediário entre as minhas lembranças e fantasias, ora alegres ora nostálgicas, e a minha atual realidade que me permite expô-las e compartilhá-las com familiares, amigos, leitores anônimos. E, se não for muita pretensão, que meus escritos possam soar amáveis e, assim, despertar suaves e afetivas emoções em meus leitores.
Abençoadas janelas!!!
Na casa da minha mãe, em Santa Maria
30.03.2013
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