quinta-feira, 2 de maio de 2013


HOMENAGEM A UMA GRANDE MULHER

Helena Ferrari Teixeira
(19.11.1921 – 15.03.2004)

 
       Santa Maria, no Rio Grande do Sul, (à época Santa Maria da Boca-do-Monte), no final da década de 1940, conheceu figura singular que, como o famoso Vento Norte*, de forma marcante, tocou a todos: a maioria reprovava as atitudes liberais daquela moça bonita, inteligente e de oratória brilhante; outros poucos, ou melhor, outras poucas mulheres vibravam com sua ousadia e suas destemidas atitudes, porém calavam-se diante das circunstâncias impostas pelos costumes vigentes. Sim, pois a cidade, nessa época, com padrões altamente rígidos em relação à moral e aos costumes, nunca tinha visto uma mulher distinguir-se de forma tão inusitada. E Helena Ferrari (seu nome “de guerra”) era política, seguidora e amiga de Getúlio Vargas, líder feminista (antes mesmo de se ter forjado o termo com as sucessivas conotações) e poetisa de alta sensibilidade.

 Helena Ferrari ficou órfã de pai aos 14 anos, logo após a família ter perdido a fortuna e, desde então, foi criada, juntamente com as duas irmãs, apenas pela mãe, uma uruguaia de nascimento, mas brasileira de coração.

 A começar, uma casa só de mulheres já suscitava dúvidas. Acrescente-se a isso o fato de uma delas ter participado, na cidade, da fundação do, então, Partido Trabalhista Brasileiro, passar a freqüentar rodas de discussões políticas, participar do movimento Queremista (queremos Getúlio), e ainda poetar. Era muita ousadia para os padrões da época, no interior do Rio Grande do Sul. Helena exerceu também o magistério como professora de Língua Portuguesa, mas seus ideais não cabiam nos limites da  escola. Ela queria mais: falar em praça pública, escutar os humildes e reivindicar seus anseios, erguer a bandeira do partido.

Em Santa Maria, tal como ocorrem mudanças climáticas marcantes, também havia costumes de verão e de inverno. Nas noites quentes, as senhoras da alta sociedade, acompanhadas de suas famílias, reuniam-se na Praça Saldanha Marinho e após, com muita elegância, dirigiam-se ao Bar Tropical para saborear salada de frutas com sorvete; já nas tardes de inverno, reuniam-se para chás em uma ou outra residência para, enquanto tricotavam ao pé da lareira, trocar receitas e ouvir os últimos sucessos de Carlos Gardel. Inversamente a esses costumes, Helena participava de discussões no Café Cristal —  reduto exclusivamente masculino — (as senhoras, quando desacompanhadas, passavam pela calçada do outro lado da rua!), onde se debatiam questões de interesse político e social, sobretudo as relativas aos trabalhadores; ou freqüentava, juntamente com outras poucas mulheres, como Mercedes Begueristein e Maria Rita Assis Brasil Weigert, a sede do PTB, onde fazia parte da Ala Feminina da qual foi fundadora e presidente.

A participação política e social de Helena foi tão marcante que, em 1952, elegeu-se vereadora em sua cidade natal, fato que se repetiu em 1956 e em 1960, sempre com expressivo número de votos. Seu trabalho público, à medida que o tempo passava, tornava-se mais e mais reconhecido e, como é natural, também seus admiradores e opositores se ampliavam em cada um dos lados antagônicos. É importante salientar que sua atuação política não foi influência familiar, pois não havia ninguém que militasse nessa área. Muito pelo contrário, a família criticava-a severamente. Enfim, ela abriu seu próprio caminho!

Ao assumir seu primeiro mandato na Câmara de Vereadores,  de imediato, Helena solicitou a criação de mais um colégio estadual para Santa Maria. Conseguiu seu intento com o nome de Colégio Estadual Manoel Ribas, o que  ela  considerava sua maior conquista pelo muito que essa instituição de ensino, até hoje, representa para a cidade.

Suas inquietações não pararam por aí! Helena Ferrari, como seguidora de Getúlio Vargas, apoiou a classe operária, sobretudo, a dos ferroviários, pois Santa Maria, por sua posição geográfica, era, nesse período, importante centro da Rede Ferroviária Federal.

Fato curioso na sua vida pública ocorreu em determinada visita de Carlos Lacerda à cidade. Ela, de maneira histórica, liderou uma passeata de mais de duzentos ferroviários que protestavam contra o adversário do grande líder da classe operária. Essa passeata realizou-se às 10 horas de uma manhã ensolarada e Helena subiu a Avenida Rio Branco, a principal da cidade, à frente do pelotão de homens, todos, como ela, de guarda-chuvas abertos, gritando: "Corvo! Corvo!" em ritmo cadenciado.

Essa grande mulher era movida por ideais nobres, por isso não se deixava intimidar pela perplexidade que causava nem pela constante censura da família. Sua postura política e sua visão social estiveram sempre acima das convenções vigentes. Com postura tão diversa da dos padrões de sua época, ela não se casou, mas conviveu com carinho e entusiasmo com os quatro sobrinhos. Dentre esses sobrinhos, estou eu que precisei ficar adulta para aquilatar o seu importante papel na trajetória da emancipação da mulher e lhe tributo hoje o meu mais afetuoso reconhecimento e profunda gratidão.
      
Com o golpe militar de 64, Helena viu destruídos os ideais que buscou com tanta determinação e preferiu, então, viver das lembranças do passado e assistir ao crescimento das sementes que lançou em terra fértil. Até onde lhe foi possível, acompanhou com entusiasmo cada conquista feminina. A esse respeito, numa das cartas da nossa doce e reflexiva correspondência, em que respondia sobre minhas considerações acerca da relevância de seu papel, afirmou: "orgulho-me, sem vaidade, por ter  contribuído para a valorização da mulher e para a busca de um mundo melhor".
      
Espero, sinceramente, que, não apenas para as novas gerações da família, sua luta sirva de motivação às mulheres que, embora já tenham percorrido um longo caminho nas suas conquistas pessoais e sociais, ainda se veem à frente de muitas barreiras a vencer. E, conforme o pensamento de Helena, empenhem-se nisso para a construção de um mundo melhor e mais fraterno.
                                                            

*Vento forte e uivante que periodicamente assola Santa Maria e, se não mexe  com a sensibilidade, pelo menos afeta o humor das pessoas.


Brasília/abril de 2004
Publicado no Jornal A Razão (Santa Maria), em 08.03.2005

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