sábado, 16 de março de 2013

  DOCE LEMBRANÇA DE UMA FESTA QUE NÃO COMPARECI

Minha vida – como a de todas as mulheres, hoje na faixa dos 60 anos, que tiveram necessidade ou optaram por trabalhar fora – foi muito tumultuada, carregada de culpa pelo tempo que era “roubado” da família*. Entre os 30 e 40 anos, minha vida foi um corre-corre sem fim: cuidar dos três filhos ainda tão dependentes, da casa, da vida profissional, sem esquecer, é claro da vida conjugal. Ufa, quanta coisa!...
Nesse período, ocorreram fatos importantes e marcantes cujos reflexos ainda fazem parte de meu cotidiano. Nós nos mudamos de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para Brasília – eu, Nilceu, Junior com 6 anos, Raquel com 2 anos e Mauren com 2 meses. Muitas coisas novas: Brasília, três filhos; longe da família; Nilceu com novas e importantes responsabilidades, o que exigia de mim grande dedicação à família para que ele tivesse mais tranquilidade; novas amizades; novos empregos – sempre em tempo parcial; o mestrado; a morte de meu pai... Caminhos nunca antes trilhados, oportunidades, perdas, enfim a necessidade de novas adaptações nem sempre fácies.
E assim ia a minha vida... No mês de maio de 1982, como todo ano, recebi o convite para a festa do Dia das Mães da escola em que os meus filhos estudavam. E eu não poderia comparecer, pois meu trabalho tinha de ser no horário em que eles estavam na escola! Expliquei a eles que entenderam muito bem porque cresceram me vendo trabalhar fora – quando comecei a trabalhar, Junior tinha 11 dias. (As leis eram outras e as circunstâncias também!)
Mas Raquel, então, com 7 anos, me pediu o seguinte:
“— Mãe, vai me buscar na escola nesse dia?! Mas explica para professora porque tu não ‘vai’ !”
(Explico-me: no compartilhar das tarefas, levar e buscar as crianças na escola cabia ao pai.)
Sem muito entender, fui à escola e expliquei às professoras dos três filhos por que não iria e, como combinado, lá estava eu na saída da festa!
Logo na chegada, encontrei Raquel com um bonito presente próprio para criança, muito feliz vindo ao meu encontro. E logo comentei:
“— Que estranho, minha filha, a festa era para as mães e tu recebeste o presente!”
“— Mãe, é que a minha redação do Dia das Mães foi premiada e este é o meu presente. Eu li a redação na festa!”
Quem já esteve na corda bamba, tentando equilibrar trabalho e dedicação aos filhos, com certeza, vai me entender muito bem! As minhas pernas afrouxaram e eu meio confusa, sem saber o que dizer, acho que disse o pior:
“— Minha filha, todas as mães estavam lá para te ouvir e te aplaudir, só a tua mãe não estava!”
A resposta foi o mais belo dos presentes.
“— Não teve nenhum problema, mãe. Eu te amei em cada momento!”
Haverá presente mais significativo que esse! A redação ficou exposta no mural da escola, perdeu-se no tempo, mas não lastimo porque a doce resposta da minha filha, sempre tão dona do seu nariz, assim como outras grandes mulheres da família, ainda soa nos meus ouvidos como uma das belas lembranças que guardo da vida.

                                        Aliris, mãe de Raquel

*Sei que as mais jovens também viveram ou vivem esse drama, mas  amenizado por algumas barreiras já quebradas e preconceitos atenuados.

                                                                       Brasília, 18.08.2009

(Publicado no livro virtual Revelações, do TRF - 1ª Região, em 2012)

Um comentário:

  1. Que lindo texto, tia Aliris!! Continue escrevendo! Virei aqui no seu "cantinho" sempre! Assim como vc, minha mãe também sempre trabalhou fora, mas a qualidade de tempo com os filhos é mais importante do que a quantidade! E nunca senti ou sofri com a "ausência" dela. Muito pelo contrario, mulheres como vcs se tornam exemplos a serem seguidos por nós!. Acho também que assim como eu, Raquel, Mauren e Júnior tivemos a sorte de crescer numa quadra cheia de famílias dispostas a cuidar umas das outras. Nunca uma criança estava sozinha na 714 mesmo que os pais estivessem trabalhando...

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