sábado, 16 de março de 2013

SABIÁ, "HOJE EU ACORDEI COM SAUDADE DE VOCÊ!"


Esta manhã, não sei por que, acordei mais cedo. Ainda tentei conciliar o sono, mas os pensamentos não permitiram: voaram, voaram... Lembrei disso, daquilo e me detive na falta do canto do sabiá que, na primavera, algumas vezes acompanha o meu despertar ou não me deixar mais dormir com seu assobio insistente.
De início achei um privilégio meu, no verão sentir saudade do canto do sabiá da primavera. Pensei mais um pouco e lembrei que muito já se falou no canto desse pássaro. Concluí, então, que muitas outras pessoas, como eu, já se detiveram nesse mesmo cismar prazeroso.
“Você sabia que o sabiá sabia assobiar?” Na infância, pediam os mais velhos que repetíssemos a frase para “ treinar a língua”  e aguçar o ouvido às sutilezas do nosso idioma.
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.”

Na primeira estrofe de Canção do Exílio, Gonçalves Dias, ao expressar saudade de pátria, lembra do canto do sabiá. Alguém já disse que foi para rimar com lá, ou ele precisou do lá para rimar com sabiá? Não sei... não sei! Ainda sobre essa mesma estrofe dizem os mais ortodoxos que o sabiá não pousa nem faz ninho em palmeiras. Eles esquecem na sua rigidez que detalhes como esse pouco importam à poesia mais  preocupada com a escolha de palavras suaves e bem colocadas que denotem sentimentalismo, musicalidade, expressividade.
Seguindo viagem nas minhas reflexões, me lembrei que, há algum tempo, li não sei onde sobre o canto do sabiá. Como é bom saber um pouquinho mais das coisas: é na primavera que ele dá sinal de vida tão logo “rompe fresca e sanguínea a madrugada”.  Pontualidade e persistência, nada mais que a preservação da espécie.
Pelo pouco que sei, o sabiá faz seu ninho no lugar mais protegido possível e, enquanto a fêmea aquece os ovos para que a reprodução se concretize, ele fica ao lado como guardião e seu assobio é para marcar território, dizer aos predadores: eu estou aqui como companheiro fiel e guardião dos ovinhos que logo serão vida para que se perpetue o cantar do sabiá e – quem sabe? – produzir mais e mais reflexões sobre questão que tive tempo e sensibilidade para ouvir e sentir somente depois dos 60 anos.
Você que me lê, preste atenção: comece bem mais cedo a afinar o ouvido e a sensibilidade para os sons da natureza. Vale a pena! Neles, podemos descobrir maravilhas que não se impõem, mas estão ali para o deleite daqueles que têm ouvidos para traduzi-los e, principalmente, senti-los.
Nos últimos anos, em todas as primaveras acontece a mesma coisa: ouço cedo o cantar do sabiá e não sabia ao certo se o ninho era na mangueira ou no abacateiro do meu quintal, dois imensos palácios verdes que abrigam pássaros, insetos e produzem frutos que, além de alimentarem, reúnem amigos para saboreá-los em gostosos bate-papos nos fins de tarde. Nunca procurei saber o local exato, pois acredito que certas intimidades são insondáveis, impenetráveis! É bom que se descubram as coisas lentamente, um pouco por dia... saboreando o prazer de ler nas entrelinhas o que as linhas não querem dizer claramente.
A certeza, entretanto, nem sempre é o que precisamos. Que importava para mim se era na mangueira ou no abacateiro? Desfrutar o som daquele belo assobio tão significativo, nas manhãs de primavera, como um sinal com o sentido que cada um queira lhe dar, é o que mais me sensibiliza.
Agora sei que o ninho fica na mangueira, mas foi alto o preço da minha certeza: o meu belo abacateiro morreu no último inverno, não resistiu ao ataque de uma praga. Toda a família teve com ele uma afetiva convivência por mais de 20 anos. Não só nós, da família, mas também amigos lastimam sua falta... Ele sempre esteve ali sem muito pedir, mas muito a oferecer...
Nossa mente – não precisamos entender muito sobre ela, isso é trabalho para cientistas! – nos faz viajar, sentir, visitar e revisitar situações, locais, amores vividos. Tudo num piscar de olhos! Que privilégio nossa memória!
Hoje desfrutei intensamente desse privilégio: lembrei músicas, fatos passados, poesias e aproveitei para juntar todo esse emaranhado de recordações num formato breve e reflexivo de vivências, que rapidamente me ocorreram. Outras ficaram pelo caminho – não lastimo –, pois o mais importante não é lembrá-las e sim vivê-las no momento certo, sem precisar saber muito bem o porquê.
Sabiás, obrigada por vocês existirem, me darem oportunidade de ouvi-los, de repensar a vida e querer vivê-la sem retoques nem muitas certezas, apenas vivê-la e buscar o que para mim é a sua essência: a felicidade.
Que importa se o sabiá que ouço nas manhãs de primavera está nessa ou naquela árvore, se é o mesmo de outros tempos? Certezas, certezas... para que servem?... Não sei e, mais uma vez, como disse um poeta que não tenho certeza do nome, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena!” Quer me parecer tenha sido Fernando Pessoa!
Neste exato momento em que pensei ter posto o ponta final, ouço a conversa de dois bem-te-vis a me dizer: “ – O sabiá está em outra estação, mas eu aqui estou!”
Conversas de bem-te-vis será assunto de outra reflexão! Que bom! O mundo está cheio de oportunidades, basta saber vê-las, ouvi-las, senti-las e, se possível, vivê-las em toda a sua plenitude sem muitas perguntas, respostas ou certezas... apenas vivê-las!
            
                                        Amorosamente, Aliris
                                         Brasília, 11.01.2013

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