sábado, 16 de março de 2013

VALIOSA OPORTUNIDADE

Ofereço para ti, Iainha, minhas reflexões escritas no ano passado.
Espero que elas te sejam útil no momento.


      Na grande partilha da vida, tenho sido imensamente agraciada. É claro que, às vezes, também me toca um osso duro de roer; em outras, um bonito limão verde e suculento, com sua cica azeda e forte. Foi o que recentemente me aconteceu: tive de fazer uma cirurgia em que praticamente não havia riscos, mas como era num dos pés, exigiu 3 semanas de repouso absoluto, mais 5 de repouso relativo e algumas mais, nem sei bem quantas serão, de muitas limitações para locomoção e severas restrições no calçado a ser usado.
Ao receber aquela fruta linda, mas de difícil digestão in natura, resolvi fazer uma gostosa limonada e a sorvi num delicado copo de cristal, muito bem ornamentado: uma rodela do próprio limão, para não esquecer a essência; um raminho de hortelã para sentir o suave perfume; e uma cereja para lembrar que a doçura da vida se faz presente mesmo quando não a enxergamos vivamente.
Tive excelente atendimento médico-hospitalar; o carinho dos familiares, pessoas próximas e amigos, a dedicação do Nilceu, em quem pude, após tantos anos de convivência, descobrir novas qualidades e habilidades. Ele foi meu enfermeiro 24 horas por dia — sem folga semanal — e, mais uma vez, o meu grande companheiro e amigo.
Mas não é exatamente sobre o cuidado, o carinho, a atenção que tenho recebido que pretendo falar. Quero, sim, expressar o grande momento interior que estou vivendo. Nessa longa aventura tive oportunidade de visitar os mais recônditos cantinhos do meu eu e, em cada um deles, me deter para um diálogo franco, amoroso e, em alguns casos, de reconciliação ou de reconstrução. Já no final do meu período de repouso, sinto-me mais fortalecida, mais feliz e, espero, mais humana e podendo ver a vida com mais amorosidade.
No início, eu mesma me surpreendi ao sentir o quanto estava gostoso o período pelo qual estava passando; familiares e amigos não entendiam como me sentia tão bem naquela situação. Mas, aos poucos, percebi que eu estava precisando desse tempo para mim. Tenho feito de tudo um pouco: leio, medito, tricoto, recebo carinhosas visitas, bato papo ao telefone, navego um pouco na internet e raramente vejo televisão. Preparei, inclusive, a lista das pessoas que pretendo presentear no Natal que se aproxima e, para isso, tenho feito encomendas por telefone ou por e-mail, enfim, rego com alegria e satisfação tudo o que posso fazer. As terças-feiras à tarde são muito especiais. Bebela, minha neta de 3 anos e meio, vem ficar comigo e, então, aproveitamos para descansar e depois brincamos de boneca, fazemos montagens, desenhamos... Tudo em cima da cama! Espero que ela guarde na memória esses gostosos momentos de nossa convivência e que, um dia, ela relembre-os com carinho.
 Voltando à minha lista de pessoas para presentear no Natal, considerei-a muito especial porque nela incluí familiares e amigos que há muito tempo andavam esquecidos! De fato, o corre-corre da vida, muitas vezes, não nos deixa perceber o que está diante dos nossos olhos. E essa minha “parada” me oportunizou tempo para enxergar poesia onde há muito tempo não conseguia ver.
Hoje, após mais de 70 dias da cirurgia, ainda com muitas limitações para  locomoção, ou seja, preciso intercalar breves caminhadas dentro de casa com horários de repouso na cama ou no sofá. E, ao ficar muito tempo no sofá, vi habitada uma casinha de passarinhos na minha varanda. Acompanhei os pais, na sua faina diária de alimentar os filhotes e estes a cada dia a reclamar mais e mais alimentos até que, numa tarde, os três voaram e ganharam o mundo e eu, ali, com tempo para assistir a esse belo espetáculo da vida. Fui copartícipe de momentos de extrema beleza e ternura!
Ultimamente tenho pensado: nem sempre dedicamos tempo ou aguçamos a sensibilidade para ver, sentir e nos determos diante dos grandes espetáculos da vida, mas eles nos rodeiam silenciosos e indiferentes à nossa indiferença!
Ao rever esse período, lembro daquele aviso, nas portarias de algumas entidades públicas, geralmente militares, quando se chega de carro à noite, que diz: Pare/Desligue o motor e os faróis/Acenda a luz interna/ Identifique-se/Prossiga.
Fazendo uma analogia, posso dizer que dos passos acima, estou – por necessidade – no final da identificação e pronta para prosseguir. Pelo menos é o que penso! Talvez o repouso maior que ainda se faz necessário neste momento seja para alguma identificação ainda não identificada.
Enfim, viver é isso: buscar a lição e o encantamento que cada situação nos proporciona, usufruir cada dia a alegria daquilo que dispomos, sem nunca esquecer que tudo contribui para o nosso crescimento: para que possamos hoje ser melhores do que ontem e, amanhã, melhores do que hoje.
                                                 Amorosamente, Aliris
                                                   Brasília, 03.11.2011







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