sábado, 16 de março de 2013

DAS HELENAS À DILMA

Esta, presidente de todos os brasileiros; aquelas, degraus
anônimos que abriram caminhos.

No nosso país existe, até hoje, uma grande lacuna – o desconhecimento da participação da mulher na formação da sociedade brasileira – o que torna destorcida a História do Brasil. Esse lamentável fato impede que homens e mulheres tenham referências concretas e possam ver não só as mulheres públicas, mas também as bem próximas na plenitude de seus valores.
Nós, brasileiros, vivemos hoje um fato novo na História do país: uma mulher é Presidente da República. Sem considerar ideologias políticas, Dilma Rousseff exerce as funções do cargo com empenho e distinção, e muito bem representa as mulheres brasileiras. Ela se alinha a outras poucas mulheres que também são presidentes de importantes nações ou ocupam cargos de relevância em seus países.
Essas figuras emblemáticas, além de suas atuações, estão aí para nos mostrar que o curso da História está mudando: a todas essas mulheres mundo afora, nossa homenagem, respeito, solidariedade, apreço.
Há, entretanto, algumas perguntas que não podem calar: Como elas chegaram lá? Foram elas desbravadoras solitárias? Não, elas tiveram antecessoras que “quebraram a cara”, renunciaram, muitas vezes, a seus interesses pessoais ou ao conforto de suas vidas pacatas e bem-vistas para afastar as primeiras pedras do caminho.
Detendo-nos apenas no Brasil, lembramos grandes mulheres que nesta ou naquela esfera foram pioneiras. Berta Lutz, que se imortalizou como defensora do voto feminino; Auri Moura Costa, cearense, primeira juíza e desembargadora no Brasil; Bibi Ferreira, artista, que estreou em 1941; Carmen da Silva, socióloga, escritora e feminista militante, ameaçada de uma surra por um grupo de homens, em Goiânia, após uma palestra; Bárbara Eliodora, primeira mulher a se envolver numa insurreição puramente republicana; Ana Nery, voluntária na guerra do Paraguai; Dorothy Mayron Taukane, da tribo Bakairi, MT, destaque pelo seu trabalho de integração da mulher no processo socio-político e econômico do país, para citar apenas algumas dentre muitas.
Aqui se faz necessária uma referência e um reconhecimento imperativo: a todas as professoras de ontem e de hoje, deste imenso Brasil, porque elas são, por definição, fazedoras de caminhos: abrem avenidas espaçosas, calçadas de conhecimento, de força de vontade e disciplina intelectual. Incluo, aqui, meu modesto testemunho pessoal: foi como professora que, mesmo no Regime Militar, pude fazer política, não a partidária, mas a que politiza as pessoas para que exerçam plenamente suas potencialidades e aspirações, tanto intra como extramuros, sejam elas quais forem.
Para que pudéssemos viver o Brasil de hoje, com a força feminina atuando no cenário econômico, político e social do país, muitas mulheres conhecidas apenas em seus meios também fizeram História. Aqui relembro e homenageio todas elas, conhecidas ou desconhecidas, pelo nome de uma delas, que, tenho certeza, sintetiza todas: Helena Ferrari Teixeira, conhecida, em Santa Maria-RS, apenas como Helena Ferrari, a primeira vereadora brasileira, eleita em 1952, com extraordinária votação e reeleita para mais dois mandatos.
Sobre ela, tenho dois tipos de depoimento: o do âmbito familiar e o do público. Com relação ao primeiro, registro em breves palavras a minha admiração por essa tia e madrinha querida, que mimou os quatro sobrinhos como ninguém, pois ela não teve filhos – e como tê-los? Não apenas na infância teve por nós imenso desvelo, mas, até o fim de sua vida, ela foi uma entusiasta participante de nossas alegrias e conquistas: acalentou nossos sonhos adolescentes, foi co-autora de muitos projetos que frutificaram e hoje fazem parte de nosso cotidiano. Sempre buscamos nela o ombro amigo nas horas difíceis, e ela foi a nossa sábia conselheira, sempre isenta de qualquer julgamento.
Mas a Helena que aqui homenageio é a mulher pública, a que quebrou barreiras, venceu obstáculos e, como me disse um dia, em carta, ao se referir a meu comentário sobre sua trajetória: “Orgulho-me, sem vaidade, por ter contribuído para a valorização da mulher e para a busca de um mundo melhor”.
Ela foi incrível! Precisei ficar adulta para entender o quanto ela foi grande! Na infância – lembro bem – muito ouvi em casa: “ A Helena é louca!” Ela escandalizava a cidade – e a família enchia-se de vergonha – com seus atos, discursos, atitudes que destoavam do modelo das mulheres de então.
Entre suas ousadias, frequentava o Café Cristal – reduto exclusivamente masculino – para, entre um chope e outro, discutir questões políticas e sociais, enquanto moças e senhoras desacompanhadas não passavam sequer na porta do estabelecimento.
Como Santa Maria foi, em meados do século passado, um importante centro ferroviário, ela defendia os interesses da classe e, por isso, era chamada de “Musa dos Ferroviários”. Apoiava suas reivindicações e os liderava em passeatas pela cidade. Sua atuação política, entretanto, não foi só entre os ferroviários, mas com todo o seu eleitorado: mulheres de várias profissões, donas de casa, funcionários municipais, estudantes.
Ela foi também professora, poetisa, oradora eloquente, líder onde quer que estivesse. Seguidora e amiga de Getúlio Vargas, apoiou sempre os trabalhadores e os mais pobres, sem nunca esquecer as grandes questões nacionais que exigiam debates e esclarecimentos. Uma feminista antes mesmo de a expressão ter sido popularizada. Com não concordasse com mudanças ideológicas de seu partido, retirou-se da vida pública, mas, foi sempre uma entusiasta observadora do desabrochar  das sementes que lançou em terra fértil.
A trajetória de Helena é, hoje, tema de muitos trabalhos acadêmicos da Universidade Federal de Santa Maria, que prestam reconhecimento a seu papel no cenário político e social da cidade. Também a Câmara Municipal de Santa Maria, em 2002, a homenageou como Vereadora Emérita em reconhecimento a sua atuação digna como legisladora, pela sua dedicação ao povo que dela recebeu incontáveis exemplos de dignidade, solidariedade, coragem e fidelidade a seus princípios éticos e morais.
Era muita ousadia para uma mulher naquela época, mas ela soube muito bem se equilibrar entre os seus ideais e as críticas que recebia. Foi indiferente ao julgamento alheio e, consequentemente, superior, como todas aquelas que viveram à frente de seu tempo e buscaram ideais maiores.
E, assim como ela, neste imenso Brasil, houve muitas mulheres que dentro de suas casas, em seus locais de trabalho ou, timidamente, na vida pública abriram caminhos ainda que estreitos para que outras mulheres  os alargassem mais e mais até chegarmos aonde estamos: mulheres ocupam hoje posições sociais e políticas sem que isso cause escândalo, mal-estar ou surpresa.
Ao vivermos este novo panorama, não podemos deixar de reverenciar Helenas, Anas, Teresas, Leilas, todas as Marias e quantos nomes quisermos acrescentar, porque foram elas, mulheres anônimas, as grandes protagonistas de mudanças profundas ainda em curso, que a cada dia buscam tornar o mundo mais justo, mais igualitário, na vida pública com seus evidentes reflexos na vida de todos os brasileiros.
Quando nossa presidente é criticada, aplaudida ou homenageada, nada mais é do que a síntese de todas as Helenas que, com erros e acertos nos legaram um novo capítulo na História não só do Brasil como também do mundo.
Hoje que os caminhos já foram abertos, alargados por muitas antecessoras nossas, que muito mais se faça para que mulheres sejam cada vez mais respeitadas, reconhecidas; e que essa ascensão continue para que possamos legar caminhos muito mais amplos às gerações futuras. E essa é uma tarefa de cada uma de nós no meio em que atuamos, inclusive – e sobretudo – no ambiente familiar porque é lá o cadinho onde se forjam os homens e as mulheres do amanhã. 

         Aliris Porto Alegre dos Santos, uma brasileira de 65 anos
                                                       Brasília, 12.02.2013





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